Companheiras

Às companheiras das minhas madrugadas

Ubirajara Passos

Sonhei-te em gozo absoluto e sem controle,
Fui calafrios nos teus pelos dourados,
Te tive enlouquecida, em cavalgadas
Sem freio, em redemoinhos
De êxtase profundo,
Fui dez mil mãos,
Cem mil línguas de fogo,
Fui tempestade ou doce envolvimento
Em tua superfície de reentrâncias e colinas,
Fui criança de peito abandonada,
No desamparo, ao teu olhar, envolto em transe,
Fui afogueado centauro, folha carregada
No temporal de um tesão asfixiante,
Fui teu igual na gargalhada bêbada,
Brinquei, guri de uma infância edênica,
Lado a lado contigo percorrendo,
Mãos rápidas, olhares hipnóticos,
O âmago fremente, os sexos pulsantes,
Picos e grutas das nossas geografias
Fui dançarino, palhaço, orador,
Enquanto foste loba, gata em cio, onça feroz,
Fomos atores no palco dos salões
E confidentes na penumbra da luz negra.
Te tive irmã, mãe, puta, amada altiva,
Amiga de folguedos, fatal maga,
Me usando como um rato amedrontado,
Te tive filha meiga, mimada, maliciosa
E fui, em raras noites, sol em meio ao tédio
Das tuas madrugadas, como foste
O consolo erótico possível,
Desarmada ternura de empréstimo,
A realidade delirante dos prazeres
Nos obscuros casarões da sacanagem.
Em ti vivi a experiência sem esforço,
As agruras, o desejo, a acolhida
De todas cores de pele e de cabelo,
Das faces e olhos de formatos
Os mais diversos,
Fui amante
Carente e delicado, fui esperto
Ladrão de delícias, enjoado
Bêbado, machão onipotente,
Fui divertido malandro,
Sábio Vaidoso.
Vivi em ti, na boemia embriagada,
Nos corredores da penumbra,
Em camas mudas,
Mil vidas negadas no sol claro
E por ti, em cada uma que eras,
No calor dos seios fartos, das sedosas coxas ,
De imensas bundas, empinadas,
Frementes e úmidas bucetas,
Em jovens rostos,
Em malícia mergulhados ,
Em olhos de dona,
Em mãos crispadas
De serva insubmissa ,
Fui carrasco e vítima,
Carinho e desencontro.
Mas o que fui,
O que vivi nas noites breves,
No mundo alheio do fortuito encontro,
O que não alcancei no quotidiano
“Normal” da vida burocrática,
O sofrimento ou êxtase famélicos,
Eu só vivi graças a ti que estavas
Sempre a espera, no refúgio alcoolizado
Dos deserdados do amor regrado.

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